Após sete anos de seu filme de estreia, o premiado A Casa de Alice (2007), Chico Teixeira volta a periferia paulistana com o drama Ausência (2014), premiado no Festival de Gramado (Melhor Filme, Diretor, Roteiro e Trilha Musical), Festival do Rio (Prêmio Especial do Júri e Melhor Ator para Matheus Fagundes) e Festival Cinelatino de Toulouse, na França.
Assim como em A Casa de Alice, Chico prossegue seu olhar sentimental relacionado à periferia, mostrando uma certa aspereza do cotidiano, apoiado em uma estética realista (valorizada pela belíssima fotografia de Ivo Lopes). Guardadas as devidas proporções, Chico mantém uma proximidade com o cinema feito pelos irmãos Dardenne (os belgas Luc e Jean-Pierre), em especial com o filme O Garoto da Bicicleta (2011), onde a falta de afeto, a insistente busca por uma figura paterna e/ou familiar e as banalidades do cotidiano que sufocam essas personagens são o cerne dessas narrativas.
Em Ausência, acompanhamos o dia-a-dia do adolescente de 15 anos Serginho (o extraordinário Matheus Fagundes, imbuído de um olhar misto de inocência e tristeza que nos arrebata desde seu primeiro momento em cena), garoto pobre, habitante de uma periferia de uma grande cidade (aqui é São paulo, mas poderia ser qualquer outra), que precisa lidar com o abandono do pai, o alcoolismo da mãe (Gilda Nomacce perfeita em sua composição doce, desiludida e amargurada), cuidar do irmão pequeno e trabalhar na feira. Dentro desses afazeres ainda precisa lidar com sua carência afetiva, dessa (s) ausência (s) ao qual o título se refere, para entender as dificuldades e as dores do “crescer” e tornar-se um “adulto”. Mas engana-se quem ache que a leitura a partir do título do filme seja de obviedades, pois não se esgota em si mesmo, conseguindo lidar com questões mais amplas do que apenas a solidão do protagonista. De modo sutil, os afetos que Serginho demanda também podem ser explicitados através da sexualidade que começa a ser desenvolvida/descoberta e pede por atenção.
O sentimento maior em Serginho é a dor do abandono dos pais que, cada um a seu modo, não conseguem suprir as necessidades afetivas do garoto e o deixa à sorte de um destino que caminha para uma vida sem grandes perspectivas. À procura de suprir essa figura afetiva, ele encontra amparo na figura de um professor e cliente da feira (o sempre ótimo Irandhir Santos). A confusão sentimental/afetiva de Serginho, a busca por esse alento emocional na figura de um adulto que lhe trata com carinho e atenção, faz com que ele reflita sobre questões que até então não estavam presentes em sua vida, abrindo possibilidades sexuais/afetivas que só o futuro poderá constatar.
Longe no ambiente familiar Serginho encontra um pouco de afeto nas relações com o amigo Mundinho e com Sílvia, garota que, como ele, trabalha na feira e acaba sendo objeto de desejo dos dois rapazes. É na feira que Serginho pode se sentir um pouco independente e exercer sua responsabilidade, pois é ali que consegue ajudar na renda familiar, sendo o “homem” da casa esperando que um dia possa ter “carteira assinada”, símbolo de um emprego fixo e rentável dentro de seus sonhos infantis. Essa vida árdua ganha alento na figura do circo frequentado algumas vezes por Serginho, é la que ele pode voltar a ser criança e se encantar com um ambiente onírico repleto de magia e beleza. Essas duas “entidades” quase milenares, o circo e a feira, orbitam ao redor desse menino-homem, simbolizando as agruras de um personagem que ainda não sabe seu lugar no mundo, oscilando entre o mundo adulto do trabalho ou o mundo do faz de conta que a infância/circo propõe.
Chico opta por não fazer alarde e nenhum drama desnecessário na jornada desse protagonista, que parece com tantas outras trajetórias que podemos vislumbrar nas periferias das grandes cidades, tratando tudo com a delicadeza que a história merece. Estamos repletos de “Serginhos” ao nosso redor, crianças e adolescentes que amadurecem cedo demais e encaram de frente uma vida permeada de dificuldades.
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