Em 1989, o ator Michael Keaton foi escolhido para viver o cavaleiro das trevas, mais conhecido como Batman e, para o bem e para o mal, sua vida mudou completamente. Envolvido em uma grande polêmica por causa dos fãs que não aceitavam a figura frágil de Keaton para ser o milionário Bruce Wayne, enquanto não estava usando o uniforme do protetor de Gothan, Keaton ficou estigmatizado com esse personagem. Após fazer a segunda parte da franquia do homem morcego, desistiu de participar das posteriores (ainda houve uma terceira parte com Val Kilmer e uma quarta parte com George Clooney, antes de Christopher Nolan reinventar o herói nos anos 2000 sob a interpretação de Christian Bale). Mas, o que Batman (o primeiro filme, feito em 1989) tem a ver com “Birdman ou (A inesperada virtude da ignorância)”, feito em 2014 e dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu? A princípio tudo, pois Michael Keaton, em “Birdman”, “interpreta” o ator Riggan que há anos, após participar de uma franquia, fazendo o super-herói apelidado de homem-pássaro, nunca mais conseguiu se desvencilhar desse papel, mesmo recusando participar da terceira parte da série. Riggan é o ator que está tentando ser levado a sério pela crítica e faz isso através de uma peça teatral, uma adaptação do texto “Do que estamos falando quando falamos de amor”, de Raymond Carver, que se mistura aos bastidores da montagem, da qual vários diálogos são utilizados para a construção da obra fílmica.
Imbuído dessa ironia inicial, Iñárritu trabalha “Birdman” em várias camadas de interpretação sempre acompanhado de metalinguagem para refletir acerca do mundo das celebridades, dos bastidores do show business, do poder da crítica e da figura do próprio Keaton e o estigma de ter sido um dos primeiros super-heróis a transformar um filme em um evento de marketing, abrindo portas para as diversas adaptações de HQ que temos hoje em dia. Ter sido, de forma indireta, esse precursor, fez com que Keaton demorasse muito tempo para ser levado a sério como ator, tendo essa grande chance através de “Birdman”, em uma situação na qual a arte imita a vida.
Em “Birdman” a temática é a própria manifestação da linguagem, ou seja, é um filme que fala sobre filmes e sobre o cinema, elaborando sua crítica através do próprio formato apresentado para se contar essas histórias, com longos planos sequências, deixando a montagem de forma quase “invisível”, para que o público ache que tudo esteja acontecendo de forma linear e sequencial. Essa proposta metalinguística é responsável pelas grandes sacadas de “Birdman”, em um texto afiado interpretado por grandes atores, mas que padece de uma certa verborragia, como se o histerismo fosse uma característica da classe teatral ou daqueles que estão sob forte pressão.
Mesmo com alguns pequenos deslizes aqui e ali, “Birdman” é um filme que se assiste com prazer, nos propondo algumas reflexões no modus operandi da classe artística, embalado em uma excelente trilha sonora jazzística que, literalmente, está sendo tocada durante o filme.
Mas existe dois grandes problemas que não deixa esse homem-pássaro alçar voo e se tornar o grande filme que prometia ser. O primeiro deles é excesso de pretensão que acompanha o diretor Iñàrritu, seus filmes tem sempre a incumbência de serem as obras derradeiras sobre o assunto retratado, pelo menos é assim que o diretor conduz suas narrativas e sua mise en scène. O ápice desses seus maneirismos cinematográficos é o irritante “Babel” (2006), obra caleidoscópica com várias histórias interessantes, mas que juntas não conseguem dizer a que veio. Com “Birdman”, Iñárritu parece estar entrando em um novo território que não lhe era muito peculiar: a ironia e a leveza em uma quase comédia de humor negro. Quando parece estar quase concluindo seu feito, Iñárritu não sabe como terminar sua empreitada e apela para o realismo mágico do universo latino-americano, o qual ele se sente autorizado a utilizar por ser mexicano. Ledo engano, o que pode dar certo em várias obras (sendo aqui o representante máximo na literatura o colombiano Gabriel García Márquez) acaba se tornando o grande engodo de “Birdman”.
Ainda que seja extremamente superestimado “Birdman” é, talvez, um dos melhores trabalhos de Iñárritu, que ainda continua sendo aquele cineasta interessante que surgiu no início do ano 2000 com obras marcantes como “Amores Brutos” e “21 Gramas”.
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