CineCultura

“Whiplash”: o som e a fúria

por Luiz Andreghetto
Publicado em 11 de fevereiro de 2015

“Whiplash – em busca da perfeição” (2014) tinha tudo para se tornar mais uma daquelas histórias edificantes que há tempos vemos em filmes que tratam da relação entre aluno e professor. Não que essas histórias não sejam boas, pois já produziram filmes por vezes extremamente emocionantes (“Ao mestre com carinho”, “Sociedade dos poetas mortos”, “Gênio indomável”, etc, apenas para ficarmos nos exemplos mais conhecidos), mas continuam se repetindo a exaustão, sem acrescentar nada de novo a essa “fórmula” fácil. “Whiplash” tenta fugir desses clichês dos filmes de “professores”, que padecem da necessidade de uma mensagem de superação, aceitação ou tolerância das diferenças entre esses dois seres tão díspares (aluno/professor) que se anulam ou completam na mesma intensidade. 

Andrew (Miles Teller, a grande revelação do filme) quer se tornar o principal baterista da banda de jazz do conservatório mais conceituado de Nova York, regido pelo professor Fletcher (um excepcional J. K. Simmons), que possui métodos de ensino pouco ortodoxos, para não dizer condenáveis, que mantém os alunos quase sempre em estado de alerta, através de gritos, xingamentos e objetos que voam em sala de aula. 

Até aqui nenhuma surpresa nessa construção dramática, já vista em tantas outras narrativas. O que o diferencia dos outros filmes que falam dessa relação de amor/ódio, desprezo/admiração, ensinamento/aprendizado é a construção das personagens que transitam por sentimentos contraditórios sempre deixando entrever além daquilo que esta sendo dito ou visto.

O extraordinário trabalho dos dois atores principais, aliado a uma edição certeira, se contrapõem em relação a escolhas um pouco conservadoras da direção. Andrew e Fletcher se digladiam em cena, cada qual querendo ocupar um lugar ao qual acreditam pertencer por direito. Fletcher mantém uma posição inócuo através do medo que infringe em seus alunos enquanto Andrew é capaz de aguentar qualquer coisa, infligindo-lhe dor física e emocional, para ir em busca da genialidade que acredita possuir.

Nesse confronto de personalidades tão diferentes, mas que se completam dentro de uma dinâmica que beira o sadomasoquismo, Andrew e Fletcher são frutos da mesma obsessão a qual se entregam, portanto seria impossível que não entrassem em rota de colisão. Existe em Fletcher um sadismo latente que encontra um lugar “seguro” no masoquismo de Andrew, cuja maneira de se auto-infringir dor não nos passa despercebido. Não importa o quão antiético sejam os métodos de Fletcher, o que importa é até onde Andrew está disposto a ir para realizar o sonho de se tornar um grande músico. Quando aluno e professor chegam às “vias de fato”, com Andrew esmurrando Fletcher em uma apresentação, parece que o clichê do aluno problemático, mas talentoso, que conseguiu se desvencilhar da relação de dependência a qual foi submetido, está finalizada. Mas Damien Chazelle, o jovem diretor do filme que também é músico, nos espera com algumas surpresas que nos leva a refletir o quanto que ambos os personagens precisam coexistir para que o talento deles aflore.

Se não bastasse toda essa complexidade das personagens, ainda temos uma trilha sonora de jazz que pontua a tensão das cenas, deixando-nos imerso nesse universo de grandes cicatrizes físicas e emocionais.

 

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