O acidente envolvendo uma criança num hotel na cidade de Águas de São Pedro, em que a sustentação de madeira do balanço caiu em cima da mesma, suscita a necessidade de revermos alguns conceitos de vida em sociedade. Até quando iremos considerar um mero acidente situações como esta? Será que os pais da pequena menina estão tranquilos quanto a isso ou vão levar até o fim de suas vidas a culpa pelo “acidente”, que neste contexto ajudaram a promover? Digo isso porque uma criança não escolhe onde e quando vai brincar, seus pais é quem são responsáveis por essa escolha. Certamente avaliaram como uma das melhores opções por se tratar de um hotel referência no país e um dos mais caros da região, e que por isso deveria obrigatoriamente oferecer o mínimo para seus hóspedes: segurança e conforto.
Longe do oportunismo que impera em momentos de tragédia, à procura de culpados, não é possível que ainda continuemos expondo nossas crianças à irresponsabilidade e descaso de terceiros que as tratam com terrível despreparo. A sucessão de mortes de crianças e jovens nos últimos meses deveria sensibilizar as autoridades para uma maior fiscalização e inspeção em estabelecimentos que exploram o turismo e o lazer, cobrando manutenção e cuidados mais frequentes mesmo com aqueles brinquedos e aparelhos que parecem desmerecer maiores atenções. Uma criança atropelada por um jet-sky; uma adolescente que despenca de um brinquedo; uma garotinha afogada num resort e outras duas afogadas numa escolinha, um jovem atleta esmagado pela tabela de basquete, uma senhora que despenca de uma tirolesa… e tantos outros acidentes que talvez nem tenham chegado a mídia. Em todos eles, as mesmas marcas: a confiança do cidadão, a irresponsabilidade dos interessados e o descaso do estado.
Um acidente de trânsito, de avião, uma queda de bicicleta, afogamentos orgânicos noturnos, por exemplo, podem ser considerados verdadeiramente acidentes, mas o que temos visto, na maioria em clubes, hotéis e outros estabelecimentos com fins lucrativos é a total falta de respeito com a integridade do ser humano, em especial das nossas crianças. Uma diária num hotel cinco estrelas nos dá pelo menos a impressão de que nossos filhos estarão seguros nas mãos de monitores capacitados; que os salva-vidas garantirão a integridade nas piscinas; que os professores ao menos estarão prestando atenção em seus alunos; mas ao contrário, pagamos muito caro pela dúvida e incerteza de que realmente serão dias de paz e tranquilidade em nossas férias. É como se o risco pela irresponsabilidade e despreparo dos prestadores de serviço estivesse explícito no pacote de lazer. Recentemente, com minha filha num grande hotel da região, me preocupou o fato das crianças subirem e descerem uma enorme escada molhada pela chuva durante todo o dia para acessarem um salão de jogos. E ninguém tomou nenhuma providência como se aquilo fosse normal, como se a responsabilidade sobre qualquer acidente fosse das condições meteorológicas e não dos monitores.
Até quando assistiremos inertes famílias sendo destruídas pelos “acidentes de lazer”? Até quando pagaremos pela insegurança e vulnerabilidade de nossos filhos? Quando passaremos a exigir que hotéis, clubes e escolas nos apresentem laudos de manutenção preventiva em seus parques e quadras? E quando exigiremos esse compromisso de nossos políticos, preocupados apenas com obras eleitoreiras visíveis a olho nu?
Não posso imaginar a dor da perda de um filho, assim como diz o Padre José Arlindo de Nadai “essa dor é tão grande que nem nome possui”, mas acredito que nestas circunstâncias deva ser ainda maior pois deve vir somada a um enorme sentimento de culpa, de descuido, por se tratar de um acidente que apenas com boa vontade e iniciativa, poderia ser evitado.
Cabe-nos lamentar nossa indiferença enquanto sociedade, orar por essas almas que deixamos partir tão cedo e apoiar essas famílias para que eliminem de suas vidas o ponto de interrogação e o hiato que absorveram e finalmente, penso que precisamos cuidar mais da vida dos outros.
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